Os Yanomami constituem um extraordinário e resiliente povo indígena, com uma população estimada em 30.000 indivíduos. Vivem num território já demarcado de oito milhões de hectares, abarcando os estados de Roraima e Amazonas. Outro grande segmento dos Yanomami vive do outro lado da fronteira, na Venezuela. Ainda que compartilhando uma história e muitos costumes, os Yanomami se dividem em quatro etnias falando quatro línguas distintas, com diversos dialetos. É um mundo complexo com um fulcro cultural muito intenso.
Até os anos 1960 pouco se sabia sobre os Yanomami. Viviam isolados até de outros povos indígenas; porém, sua população era tão extensa que começaram a ser conhecidos na Venezuela e no Brasil. Logo começaram a ser estudados por antropólogos americanos, ingleses, franceses e brasileiros e sua cultura foi mostrada ao mundo com muita admiração.
Poucos anos depois descobriu-se que nos leitos e margens de alguns de seus rios existe ouro em grande quantidade e de modo acessível à garimpagem por métodos tradicionais, de alto nível de devastação ecológica e poluição, inclusive com o uso de mercúrio. Desde os anos 1980 a FUNAI tem tentado proibir a entrada de garimpeiros e a retirar suas ferramentas de produção, que a cada dia se tornam mais sofisticados e, aparentemente, mais eficientes. A invasão de garimpeiros no território Yanomami tem sido constante desde então não somente porque a febre por ouro prevalece, mas também porque existe um sistema de investidores de larga extensão naquela e em outras regiões da Amazonia.
A luta dos índios Yanomami e da FUNAI contra o garimpo não tem sido fácil. Em todos os governos desde Collor, passando por FHC e Lula, tem havido grandes mobilizações do Ministério Público, da Polícia Federal e da FUNAI para destruir garimpos e expulsar garimpeiros. No governo Collor, para dar um exemplo, cerca de 15.000 garimpeiros foram retirados por uma força tarefa, suas máquinas destruídas, seus aviões confiscados. Mas a ambição pelo ouro os faz ousar e voltar a invadir.
Ao longo dos anos vários líderes Yanomami se fizeram conhecidos muito além do mundo de antropólogos, jornalistas, fotógrafos, missionários e indigenistas pela determinação como defendem seu território e sua autonomia cultural. O mundo todo sabe dos Yanomami. Entre eles, destaca-se David Kopenawa, conhecido também pela visão estratégica de seu mundo em relação ao mundo abrangente e por sua visão espiritual.
Presentemente, cabe destacar um aspecto da cultura Yanomami que está sendo discutido de modo exagerado e certamente leviano. Trata-se do costume Yanomami de dispor dos restos mortais de uma pessoa pelo modo de cremação, tal como outros povos, como os hindus. O corpo de um morto é colocado para cremar sobre uma pilha de madeira. Ao final, as cinzas são recolhidas e guardadas em vasos de cerâmica ou madeira, por algum tempo, até o momento em que se realiza uma cerimônia final em benefício do espírito do morto. Aí são convidados os parentes e amigos da aldeia e convidados de outras aldeias, as cinzas são derramadas num caldeirão cheio de mingau de banana, o qual é servido a todos em pequenas porções em uma cuia. Este costume é conhecido na antropologia como “endocanibalismo”. Quer dizer, não é exatamente o canibalismo ou a antropofagia no modo que se conhece de outros povos, e sim, uma cerimônia de disposição dos restos mortais de uma pessoa pela ingestão das suas cinzas.
O que significa essa prática cultural para os Yanomami? Significa, conforme tantos antropólogos já explicaram, o sentimento dos Yanomami de reter a lembrança dos mortos e de ter partilhado de suas existências. É algo tão sagrado quanto qualquer outra forma de cerimônia de despedida de mortos queridos em outras culturas, ainda que pareça estranho para a cultura brasileira.
Portanto, as discussões que estão acontecendo no mundo político que vivemos não correspondem à realidade dos Yanomami. Não se faz necessário dizer que os Yanomami praticam comer a carne dos mortos, mas também não se pode negar que os Yanomami praticam o endocanibalismo, na forma acima brevemente descrita.